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Margarida Pereira

A Questão da IVG

Em 1998, a questão da despenalização da interrupção voluntária da gravidez chegou, pela primeira vez, às nossas urnas sendo reprovada com 51% dos votos. Nove anos depois, voltou-se a votar sobre a mesma questão e, desta vez, o “sim” venceu com 59% dos votos. Ambos os referendos foram não vinculativos devido à elevada taxa de abstenção – a praga que ainda aflige a nossa democracia-, porém, a voz dos eleitores foi ouvida e a 17 de abril de 2007 foi publicada a lei que despenaliza a IVG. Findos 16 anos, temos visto, em geral, um grande progresso mundial nesta questão. Após Portugal, 14 outros países aprovaram a legalização da IVG.

Porém, em certos países, temos visto um infeliz retrocesso devido à ascensão de partidos nacionalistas e conservadores de direita. A Polónia, um dos países europeus com as leis de IVG mais restritas, em 2021, eliminou a possibilidade de IVG em casos de doença grave ou malformação congénita, sendo que passou só a ser possível nos casos de violação ou se a vida da mãe estiver em risco. Ora, situações que se encaixem numa destas situações não são comuns, o que faz com que pessoas grávidas na Polónia – caso tenham meios financeiros para tal – realizem a IVG num país estrangeiro onde esta é legal e segura ou tenham de recorrer a métodos que colocam as suas vidas em risco, afetando especialmente comunidades mais pobres e marginalizadas.

Além deste, e talvez com mais impacto global, foi a revogação da histórica decisão Roe v. Wade em 2022. Durante quase 50 anos, Roe v. Wade foi um dos pilares da justiça americana permitindo que a IVG se realizasse em todo o país. No entanto, atualmente, está nas mãos de cada Estado decidir se permite ou não.

Mais recentemente, houve igualmente mudanças na lei do IVG na Hungria. Desde setembro de 2022, é obrigatório que todas as pessoas que queiram abortar ouçam o batimento cardíaco do feto antes da intervenção. Esta decisão do governo húngaro não só cria mais uma barreira para o acesso a um aborto seguro, claramente desencorajada pela Organização Mundial de Saúde, como utiliza a culpa e o estigma à volta desta decisão, que já por si é difícil, para desincentivar a busca por uma IVG.

Voltando agora a Portugal. Há quem defenda que a nossa lei da IVG necessita de uma simplificação: neste momento, há um período de espera obrigatório de 3 dias entre a primeira consulta em que é explicado todo o processo à pessoa grávida e a segunda consulta em que é administrada a primeira dose de medicação para a realização da IVG; 36 a 48 horas depois, há a toma da segunda dose de medicação e, 15 dias depois, uma consulta final de controlo. Ou seja, para se realizar uma IVG são necessárias 4 consultas num período de cerca de 3 semanas. Não só isto pode implicar faltas ao trabalho ou à escola como apontam os defensores da simplificação da lei, tal como não refletem as atuais recomendações da OMS que, entre as várias medidas para a eliminação das barreiras políticas para o acesso às IVG, pede a eliminação de períodos de espera obrigatórios.

Acredito que uma IVG segura deve estar ao acesso de toda a população, especialmente aliado a uma educação sexual ampla e completa e a métodos contraceptivos gratuitos. Quanto ao período de espera, questiono-me sobre a utilidade da sua obrigatoriedade. Se toda a informação quanto a este procedimento estiver ao fácil acesso de todos será realmente necessário uma nova reflexão? Será que quem marca esta primeira consulta não terá já refletido amplamente sobre os prós e contras desta decisão? Talvez um período de reflexão facultativo, que permita a quem tem mais dúvidas repensar se é realmente a IVG que quer ou se poderá haver outra solução mais apropriada para a sua realidade, seja mais adequada para a nossa atualidade.

O aborto é um tópico tem estado sempre em voga e por muito que achemos que já foi mais do que debatido tal como os últimos anos nos provam nada é garantido e, citando Ângela Davis, “a liberdade é uma luta constante”. Por isso peço-vos: não deixem de lutar, não deixem o debate morrer para que possamos continuar a ter o direito a escolher, o direito a determinar o nosso próprio futuro.

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