Não será um grande exagero dizer - e se for, também é a minha opinião - que António
Costa é o maior animal político em Portugal dos últimos anos. Um assumido político
profissional, que transformou uma derrota eleitoral em geringonça que transformou em
governo minoritário e que passou a maioria absoluta. Tão hábil na sua arte de fazer
política, é daqueles que tem “O Príncipe” de Maquiavel como principal manual de
instruções.
Mas não é de Costa que venho falar, apesar da sua recente nomeação para Presidente
do Conselho Europeu, mais um achievement na sua brilhante carreira política. É sim, de
outro animal político português, este mais antigo - aliás, talvez o mais antigo deles todos:
Sebastião José de Carvalho e Melo, ou como é conhecido, o 1° Marquês de Pombal.
Vocês agora pensam “Eia, mas que interesse tem o Marquês de Pombal?”, e eu
respondo “Sim, eu sei, nenhum, mas acabei de ler uma biografia dele e achei
interessante falar do seu percurso político”. Aguentem um bocado comigo. O Marquês
de Pombal é provavelmente o primeiro protótipo de um animal político neste país, e cujo
modelo de ação certamente acaba por inspirar outra personagem política portuguesa,
Salazar.
A imagem de Pombal é a de um reformador, um fazedor, alguém que foi um importante
estadista no nosso país (ai como os portugueses gostam de estadistas fortes e que
“façam coisas”). O mais fenomenal na sua vida é a forma como este fidalgote
desgraçado de Lisboa, soldado pobre e agricultor em Soure , que ao contrário do que se
diz, nunca estudou em Coimbra, rapidamente aos 34 anos arranja um posto na Academia
Real das Ciências, ajudado pelo seu tio, secretário de Estado de D. João V.
Até este ponto, Sebastião José era relativamente desconhecido, sem grandes qualidades
que o destacassem, exceptuando os seus estudos solitários de Direito e História.
Consegue nomeações para ser embaixador em Londres e Viena, dois grandes centros da
política europeia da sua época. O seu trabalho lá não colheu muitos frutos palpáveis,
mas a sua astúcia, pragmatismo e capacidade de silenciar inimigos levaram a que, em
1750, com a subida ao trono de D. José I, fosse nomeado para Secretário de Estado dos
Negócios Estrangeiros (o MNE da altura), e 5 anos depois, com o terramoto de Lisboa,
subisse a Secretário de Estado dos Negócios Interiores do Reino, de facto um primeiro
ministro. Os seus 27 anos de governação foram então marcados por uma acumulação de
poder onde perseguiu os seus inimigos políticos para benefício próprio.
O fidalgote provinciano, que nasce endividado e olhado de lado pela alta nobreza, via
nesta um inimigo que o queria em baixo. A sua subida ao poder era uma vitória sobre aalta nobreza que ainda o tratava por Sebastião José, nobre desgraçado sem título. Na
consolidação do seu poder, a ligação a D. José era fundamental, que lhe deu plenos
poderes para agir em nome da vontade real. Este era o seguro de vida de Pombal, que
até à morte do soberano fez aquilo que quis.
Os inimigos de Pombal estavam identificados desde o início: a alta nobreza e os jesuítas.
Ajudado pelos seus irmãos Francisco Xavier, Governador Geral no Brasil e
consequentemente Secretário de Estado da Marinha e Ultramar; e Paulo Mendonça,
Inquisidor-Mor no Reino, estes seriam os seus braços direitos para consolidar o poder. A
morte e perseguição dos Távoras, justificados por um suposto atentado ao Rei, serviram
para enviar uma mensagem à alta nobreza: “não se metam com Sebastião José”. A
perseguição aos jesuítas, prisão e expulsão destes, serviram o mesmo propósito (algo
que teria consequências graves no ensino em Portugal).
Também ficou conhecido por implementar reformas económicas, fascinado com o
desenvolvimento que viu em Londres e Viena, tentou imitar o seu sucesso, fazendo
medidas que visavam reduzir a dependência externa do país. Para tal, criou Companhias
em vários setores da economia para tornar Portugal mais autossuficiente. No entanto, o
que não se costuma dizer é que Pombal muitas das vezes usava essas companhias
monopolistas para seu benefício próprio, usando os seus negócios e propriedades para
fazer negócios com as Companhias que ele próprio mandou criar, lucrando e fazendo
uso disso para pagar dívidas.
As ações de Pombal eram movidas por uma vitimização constante, da percepção de
haverem conspirações contra si. A sua imagem de homem forte e reformista cai por terra
quando se observam os efeitos e motivos das suas reformas, bem como as justificações
para as perseguições que fez. No final da sua vida, apesar da escalada que fez para se
manter no poder durante 27 anos, com a ajuda de seus irmãos e o cheque de D José,
Pombal foi imediatamente afastado por D. Maria I, apoiada por muita oposição
antipombalina. No seguimento do seu afastamento, Pombal vitimizou-se
constantemente, fazendo referência ao trabalho que fez pelo país, à credibilidade
internacional que lhe deu e justificando atos horrosos como apenas estando a cumprir “a
vontade Real”. Passa a ideia de morrer injustiçado, apesar daquilo que dedicou a
Portugal.
Este modelo de animal político, estadista que faz carreira no poder público, serviu de
exemplo para António de Oliveira Salazar. Um reformista, que bastava apenas aparentar
fazer coisas e ter uma mão forte para repor “ordem” na sociedade, para que a imagem
dele fosse a de um grande estadista. É comum em Portugal gostarmos destas figuras
sem realmente apurarmos os resultados de suas reformas ou até às motivação das
mesmas, e não percebermos a maneira como consolidam o seu poder, eliminando ou
silenciando inimigos políticos. No fim, usam a vitimazação, afirmando-se injustiçados.
Este tipo de animal político tem como habitat natural os partidos populistas mais radicaisdo sistema, pois é aqui que conseguem concentrar as habilidades que permitem
florescer e ter sucesso. Tenhamos olho em saber distinguir quem são.
Comments