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Isabel Ferraz

Alô, humanidade?


Tenho sido constantemente bombardeada, nos últimos tempos, por notícias que me têm entristecido profundamente. A mim e, quero crer, a todos os defensores da Democracia, do Estado de Direito, da Liberdade – de ser, de expressão, de amar e ser amado – e da Igualdade.

O mundo, como um todo, assiste impávido e sereno à ascensão da extrema-direita e dos radicalismos como resposta e consequência de uma sociedade que não responde, com a propriedade que se exigiria, à mudança e à globalização do mundo. Mostra assim, indubitavelmente, o falhanço que têm sido os processos de integração, face à constante abertura do globo, criando pontos de rutura que nem o próprio ser humano consegue, racionalmente, explicar e que, tal como o História já nos tem vindo a contar, leva-nos a uma era de retrocesso civilizacional assustadora.

A tirania do individualismo tem-nos consumido de tal ordem que nos encontramos numa fase em que o indivíduo já não pensa na possibilidade de aniquilar o outro, simplesmente, mata. E apesar de haver um abismo entre as duas ações, o raciocínio que nos levou a criar um contrato social, regras de convivência, leis e um Estado que as regula têm sido postas em causa, porque cada vez mais há o pensamento entre nós de que podemos e devemos fazer “justiça” pelas nossas próprias mãos. Não há nada mais ilustrativo desta nova trajetória civilizacional do que a morte de George Floyd e da Masha Amini.

Estes episódios não são desconhecidos para ninguém. Aliás, o caso do racismo estrutural, em particular nos E.U.A., já tem vindo a ser relatado por Tocqueville na obra “Da Democracia na América”, por exemplo, obra com quase 200 anos de existência. Este problema que nos corrói, envergonha e não parece ter fim à vista, tem ainda sido conduzido por líderes que acompanham a onda de irracionalidade e respondem com a mesma agressividade, como foi o caso de Trump que não endereçou qualquer tipo de mensagem à família da vítima para além da violência com que lidou com as manifestações dentro do seu território.

Além do mais, o decorrer dos acontecimentos são suficientemente demonstrativos de que a ordem liberal do progresso, da liberdade e dos direitos humanos, herdeira do pós-Guerra Fria, está novamente a dar espaço à violência e ao radicalismo. Esta violência gratuita que vivemos hoje, assemelha-se muito ao episódio narrado por Primo Levi sobre a brutalidade dos soldados nazistas em Auschwitz. «Primo Levi estava com sede, por isso, pegou num pedaço de gelo para derreter na boca, no entanto, um outro soldado, abruptamente, arrancou o gelo das suas mãos e empurrou-o. Ao perguntar o motivo de tanta hostilidade, Primo Levi recebeu uma resposta provocante: "Hier Ist kein warum" (aqui, não existe porquê).»

E tanto “não existe porquê” que uma jovem, no dia 16 de setembro, foi morta por usar “roupas inadequadas” estando ela de visita à província de Teerão, onde a Polícia Moral a espancou até à morte, porque o seu véu deixava exposto parte do seu cabelo. Um falso sacrilégio pelo qual a jovem de visita à família foi detida e acabou por morrer. Um falso crime que a levou não só à morte, mas também sentenciou a liberdade, tantas vezes proclamada, do livre Irão.

Estas duas mortes não foram acidentes de percurso, foram um abre-olhos horripilante para o que nos está a acontecer, enquanto Humanidade. Deixamos de querer pensar, de procurar saber, de querer melhorar e avançar psiquicamente. Passamos a ser um mundo de seres impermeáveis, onde a sua a razão é a única resposta e a verdade deixou de ter o seu valor. Passamos não só a querer estar sozinhos, isolados como até queremos exterminar tudo aquilo que não conhecemos e, por si só, desgostamos.

Vivemos num mundo triste e vazio e somos o reflexo do que escolhemos: não pensar. Somos um mundo de zumbis alienados por uma razão ou pensamento que não nos deixa olhar e ver o mundo à nossa volta. Por isso, só consigo perguntar, será que caminhamos para a morte? Para o ódio? Para o extermínio? Não foram suficientes as aulas de História onde aprendemos os horrores vividos sobre o domínio nazi? Terão de sofrer, novamente, os mais fracos, para satisfazer os mais fortes? Que sentimento corrosivo é este que nos fez chegar até aqui? Infelizmente, não consigo responder a nenhuma delas, não porque a minha esperança acabou, mas sim, porque, sozinha nada consigo fazer, por isso, Humanidade, espero que acordes a tempo e que não deixes que nenhum destes pensamentos se tornem um bocadinho mais reais, espero que consigas ver o que se passa e comeces a agir, coletivamente, perante a desgraça em que este nosso mundo se tornou.

Tu, Humanidade, és composta pelo todo e não só por alguns. Pela fraternidade, pela solidariedade, pela tolerância e, principalmente, pelo fator que muda o mundo: o amor. Que este seja o nosso guia e que juntos possamos construir um mundo mais justo, mais igual, mais seguro e mais livre.

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