Marcelo ouviu os partidos e o Conselho de Estado e decidiu: dissolverá a Assembleia da República e marca eleições para o dia 10 de março de 2024. Apesar de um empate no Conselho de Estado sobre a dissolução, a decisão final do Presidente foi tomada dando tempo suficiente para a organização dos partidos. Esta crise política provocada pela demissão do Primeiro Ministro António Costa surge no seguimento de buscas efetuadas no Palácio de S. Bento, que levaram à detenção do seu Chefe de Gabinete e de um amigo próximo. João Galamba, Ministro das Infra-estruturas, foi também constituído arguido. A Procuradoria Geral da Republica efetuou um comunicado onde consta que o nome do Primeiro Ministro era indicado como suspeito no caso, e pela hora de almoço do dia 7 de novembro, o mesmo apresentou a sua demissão a Marcelo. O caso envolve suspeitas de corrupção e favorecimento de clientes em concursos públicos ligados à exploração de lítio e hidrogénio verde. No decorrer do processo, os principais detidos já foram libertados, mas este episódio levou à demissão de Galamba do cargo de Ministro das Infra-estruturas.
Pondo de parte o caso que originou esta crise, cujas implicações dariam para outro artigo, acho importante avaliar o que está agora em causa no cenário político português. A escolha de Marcelo de marcar as eleições para março evidencia uma preocupação com o estado das nossas opções governativas. Perante um PS desgastado e um PSD incapaz de convencer os portugueses de que comporta uma alternativa credível ao atual partido de governo, tinha bastantes duvidas de que a dissolução da assembleia pudesse ser util para resolver esta situação. Não só, com a marcação rápida de eleições, provavelmente o PS voltaria a ganhar, como observaríamos um crescimento preocupante do Chega. A incapacidade de Luís Montenegro de se definir como um líder capaz de assumir um governo, ou de convencer os portugueses a votarem no seu partido devia ser um sinal de preocupação para a oposição, que não consegue formar essa alternativa credível aos Partido Socialista. Mais uma vez, Marcelo volta a demonstrar grande ponderação nas suas escolhas: ao marcar eleições para daqui a 4 meses, dá algum espaço a que tanto o PS como o PSD se organizem e construam os seus programas de forma clara para apresentarem as suas ideias ao país, permitindo também ao PS que escolha o seu novo líder de forma mais calma (e quiçá, ao PSD também).
Os candidatos apresentados até agora são Pedro Nuno Santos, ex-Ministro das Infraestruturas e da Habitação, da ala mais à esquerda do partido, e o Ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, representando a ala mais moderada. PNS apresentou uma ótima imagem e comunicação, e José Luís Carneiro já sugeriu que deixará passar um governo minoritário do PSD, de modo a impedir que o Chega possa aproximar-se do poder. Também o nome de António José Seguro, antigo Secretário-Geral do partido, já foi apontado como possível candidato, ou pelo menos, pressionado para tal. Até agora, a candidatura de PNS, ajudada pela sua retórica e carisma, parece-me a que conseguiu recolher maior apoio das hostes socialistas que aparentam já se terem unido em torno de um novo líder. No meio da inexperiência de partidos como a IL, BE, Livre e PCP, (e da estupidez do Chega), que é normal pelo facto de nunca terem governado, resta que PS e PSD consigam se organizar nas suas ideias e propostas. As eleições no PS parecem estar já encaminhadas na escolha do sucessor de Costa, mas no principal partido da oposição, era bom que pudesse haver uma mudança na liderança, de preferência para alguém que consiga estancar o crescimento do Chega e unir o voto da restante direita democrática, bem como fazer frente a um PS liderado queira por Pedro Nuno Santos ou José Luís Carneiro. Não há muitos nomes capazes disso, a não ser que volte D. Sebastião.
Os portugueses voltam assim a ser chamados às urnas sensivelmente 2 anos depois da ultima vez e a 3 meses de eleições europeias. A maioria absoluta da estabilidade de António Costa trouxe exatamente o contrário do que prometia. Fica o seu legado de mediocridade política, e principalmente, o de perpetuação de uma maneira de fazer política que se verificou em Sócrates
e Guterres e que continua perpetuado no seio do PS, e também no PSD: o do cinismo democrático, do favorecimento político, do clientelismo e da descredibilização da democracia. Mas o pior do seu legado é mesmo capaz de ser André Ventura e a forma como permitiu que este e as suas ideias crescessem dentro do sistema. E temo que possam vir a crescer mais.
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